Marisa Orth, atriz associada à comédia após se consagrar em programas de TV como "Sai de baixo" e "Toma lá, dá cá", vira o jogo no teatro ao interpretar Simone de Beauvoir, filósofa existencialista e mulher de Jean-Paul Sartre. Marisa estreia em 22 de janeiro em São Paulo "O inferno sou eu", texto de Juliana Rosenthal K., inspirado no período em que Simone de Beauvoir passou em Recife, convalescendo da tifo contraída na Amazônia. É um momento em que a filósofa está especialmente mal-humorada, pois gostaria de voltar à França para reencontrar seu amante e vê seu marido encantar-se por Marta, dona da casa em que os dois se hospedaram em 1960 na capital de Pernambuco.
- Nunca imaginei interpretar Simone de Beauvoir. Tenho pouca experiência em fazer personagens reais. Simone não só é uma filósofa, mas é também uma artista. É uma personalidade muito controvertida, uma pessoa em aberto. Acho que Simone tinha toques de humor, mas de um humor cínico, irônico, cortante. Ela não é melodramática de jeito nenhum. Tem um mau humor engraçado - explica Marisa, contando que chorou ao assistir a primeira leitura dramática do texto.
" Sou ciumenta tipo 1.600. Não seguro uma relação aberta. Mas teoricamente parece o ideal "
Marisa explica que o texto a emocionou por apresentar a relação de duas mulheres que são contraponto uma da outra. Enquanto convalesce em Recife, Simone tem a companhia de Dorinha (Paula Weinfeld), uma jovem estudante de letras fã da filósofa. Esta relação, totalmente fictícia, coloca em cheque tanto a liberdade e a emancipação feminina defendidas por Simone, quanto os sonhos de Dorinha de casar, ter filhos e conciliar uma carreira.
- São questões que o ser humano e a mulher hoje ainda não resolveram. Caso ou compro uma bicicleta? Seremos fiéis para sempre ou infiéis totalmente? Quem souber ganha o Nobel de tudo. É uma situação arquetípica. Nem Simone, nem Dorinha está certa. E a Simone foi uma mulher que tentou. Doou a vida dela por essa causa, com uma coragem enorme. E não foi feliz para sempre. É isso o que emociona - resume Marisa.
Enquanto Marisa é expansiva e divertida, sua Simone é uma mulher contida.
- Faço uma voz mais grave e tento parecer mais velha. Em 1960, Simone tinha 52 anos. Estava doente, então preciso ter um ritmo físico menor. Em contrapartida, sua força são as palavras. É uma mulher cerebral - compara a atriz.
Marisa diz que não teria a coragem de Simone em viver uma relação aberta, apesar de acreditar que este possa ser o formato ideal.
- Sou ciumenta tipo 1.600. Não seguro uma relação aberta. Mas teoricamente parece o ideal, pois é impossível acreditar que após se comprometer você ou se parceiro jamais terão interesse por outras pessoas.
Se por um lado a emancipação feminina permite que as mulheres independentes só decidam ter um relacionamento se realmente for interessante, é difícil levar uma vida pontilhada por separações, acredita Marisa.
- Fico com alguém porque prefiro. Mas é duro lidar com separações. A mulher hoje encara dúvida atrás de dúvida.
Marisa diz ser mais frágil, assustada e romântica que sua personagem. E também mais hipócrita, por nem sempre viver de acordo com o que pensa, a chamada "coerência filosófica", um dos princípios defendidos por Sartre e Simone.
Sobre TV, a atriz conta que continua contratada pela TV Globo e planeja apresentar um novo projeto para a emissora, uma sitcom com argumento de Miguel Falabella. E compartilha da opinião de Miguel Falabella, de que o "Toma lá, da cá" estava esgotada e precisava terminar. Mas o filme baseado na série de sucesso vem aí e Marisa está no elenco.
" Tomo bronca até hoje por causa do fim de "Sai de baixo", mas o programa não tinha mais para onde ir "
- Tomo bronca até hoje por causa do fim de "Sai de baixo", mas o programa não tinha mais para onde ir. A Magda que começou tonta terminou uma ameba e o Caco (personagem de Miguel Falabella), um malandro, virou um bandidão. "Toma lá, da cá" ia pelo mesmo caminho. Estava na hora de acabar - afirma.
E Marisa adianta que fará uma outra parceria com Falabella, desta vez no teatro. Ele escreve para a atriz um monólogo cômico chamado "Tsunami", sobre uma mulher, única sobrevivente de um desatre em uma ilha.
A música, outra constante na carreira de Marisa, que já esteve à frente da banda Luni, Vexame e lançou há três meses seu primeiro disco solo, "Romance vol 2", continuará a todo vapor.
- Preciso sempre ter uma banda - diz, e completa - É a primeira vez que tomo coragem de cantar como Marisa, sem criar uma personagem.
Antes de encerrar a entrevista, Marisa responde à observação de que está mais magra, confirmando e contando que emagreceu seis quilos, depois de deixar de comer laticínios e voltar a fumar. E após ouvir elogios, brinca: - Estou com um DPC muito alto.
Em seguida, ela explica que a sigla DPC se traduz por "dá para comer". Uma coisa com certeza Marisa e Simone de Beauvoir têm em comum: a sinceridade.
O Globo