"Quero que parem de se preocupar com isso. É um problema muito mais da mídia, de ver que produto é, do que meu", diz a atriz, ao ser perguntada se escolheu o papel da filósofa francesa para reafirmar sua versatilidade. "Quando perco um papel porque [acham que] 'ah, ela é muito engraçada', e é algo de que sei que poderia dar conta, é claro que me aborrece. Mas não significa que eu desdenhe da comédia."
Para compor a autora de "O Segundo Sexo", Marisa largou na coxia a expressividade "meio parlapatosa, italiana" que a fez conhecida no humor. "Simone, como toda francesa, é um bicho específico para caramba. É quente, uma mulher apaixonada, de frases impactantes, não é uma mosca-morta. Mas seu corpo não necessariamente condiz com isso."
Sob a direção de José Rubens Siqueira, "Inferno" toma como mote uma situação real: a visita do casal Sartre e Beauvoir ao Brasil, em 1960. Durante três meses, eles cruzaram o país dando conferências e entrevistas para badalar as cartilhas existencialista e feminista.
Beauvoir 'mulherzinha'
Simone contraiu tifo durante a passagem por Manaus e ainda convalescia quando a "turnê" do casal chegou à última escala, Recife. Ali, Sartre caiu de amores pela anfitriã, enquanto a companheira sofria com o abismo entre eles e a saudade do amante americano, Nelson Algren. Com este, ela se permitia ser "uma esposa árabe, que calça seus sapatos", como diz em cartas endereçadas a Chicago.
"Ela estava havia três meses sem um toque, um carinho, morrendo de paixão pelo Nelson. E ficou em pânico ao ver que a Marta [nome fictício da anfitriã] mexeu com o Sartre, pois era uma mulher com cérebro, como mostraria sua carreira política posterior [foi deputada]. Tinha beleza, inteligência e coragem: era uma mulher com colhão", define Marisa.
É na figura da estudante de letras Dorinha (Paula Weinfeld), contratada para cuidar de Simone, que a dramaturga Juliana Rosenthal flerta com a ficção. A jovem nunca existiu. Mas sua vulnerabilidade inicial serve de contraponto à rigidez de Simone e ao jogo que se estabelecerá entre elas, com empréstimos recíprocos de traços de personalidade.
A universitária deixará de lado certa ingenuidade romântica e contemplará seu potencial intelectual. Já a filósofa abrirá frestas em sua couraça de ideias para o afeto e perceberá, nos relatos da outra, que não há virtuosismo retórico que tome o lugar do desejo.
"Inferno" estreia sete meses depois de Fernanda Montenegro encarnar Beauvoir no monólogo "Viver sem Tempos Mortos". "Nem me arrisco a me comparar com ela. Era de uma precisão, como um solo de oboé", diz Marisa. "As peças são complementares. Lá, o foco era o pensamento da Simone, a força do que ela escreveu. Aqui, surge a 'mulherzinha'."
O INFERNO SOU EU
Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 25/4
Onde: teatro Jaraguá (r. Martins Fontes, 71, tel. 0/xx/11/3255-4380)
Quanto: de R$ 70 a R$ 80
Folha Online